Especialistas alertam para dificuldades no tratamento de pacientes renais 

Audiência pública aconteceu no Plenarinho da Assembleia 



Os entraves no tratamento de pacientes renais foram debatidos nesta quarta-feira (3) em audiência pública da Comissão de Saúde e Meio Ambiente proposta pela deputada Liziane Bayer (PSB). A complexidade da doença e a escassez de recursos públicos repercute nas clínicas de hemodiálise, que não estão suportando os altos custos e, na área médica, os nefrologistas começam a sumir das escolhas nas residências hospitalares. Mesmo com avanço na prevenção da doença – o Brasil é campeão na América Latina em atenção ao problema renal –, as dificuldades no tratamento da doença preocupam especialistas, autoridades e pacientes.



  A doutora Miriam Gomes, da Sociedade Gaúcha de Nefrologia, mostrou os dados de fevereiro deste ano da doença no Rio Grande do Sul. São 4.600 pacientes em tratamento por hemodiálise e 400 pacientes em tratamento por diálise peritonial pelo SUS, e 500 pacientes em diálise por convênios privados. Dos 5.500 pacientes, 90% são financiados pelo SUS em hemodiálise e 10% em diálise peritonial. O país registra 120 mil pacientes e um aumento de 71% nos pacientes em diálise, nos últimos dez anos. A demanda nas clínicas aumentou em 15%, mas o subfinanciamento do setor provoca superlotação e falta de vagas para tratamento, “um dos maiores entraves”, conforme apontou. O quadro vem se agravando com o fechamento de unidades, disse a médica, que revelou a redução dos três turnos de atendimento para dois, diante da severidade imposta pelos custos.

Dificuldades extremas 

Soma-se a isso, a falta de especialistas, uma vez que os nefrologistas estão migrando para outras especialidades. Mal remunerados e enfrentando os rigores de uma doença de extrema complexidade, os nefrologistas encolhem nas especialidades médicas e nas vagas de residência médica. “Falta motivação aos jovens médicos pela área, trabalhosa e desprestigiada”, afirmou. A doutora Miriam Gomes alertou que, em breve, o Rio Grande do Sul terá um colapso no atendimento médico de doenças crônicas do rim. O mesmo acontece no setor de enfermagem.

A falta de reajuste nos financiamentos para a alta complexidade é a causa do processo falimentar deste sistema, garantiu Miriam Gomes. “Desde 2013, o setor agoniza sem nenhuma recomposição”, advertiu. O fechamento de clínicas agrava o acesso dos pacientes renais às vagas e muitos morrem antes de chegar ao atendimento especializado. Outros permanecem um a dois meses internados e a falta de medicações essenciais ao renal crônico agrava as patologias.

Ela fez uma série de reivindicações ao Estado, que pode alcançar ajuda aos casos de média complexidade. Pediu que a Comissão de Saúde e Meio Ambiente, a Assembleia e a secretaria de Saúde atuem para criação e regulação de centros vasculares especializados em casos de alta complexidade para pacientes SUS; remuneração adequada da consulta nefrológica, que é de R$ 10,00; cofinanciamento e parceria entre Lafergs e clínicas vinculadas ao SUS para produção e fornecimento de soluções em hemodiálise. Ao final da intervenção, falou pelo Sindicato Médico sobre a situação dos nefrologistas, “que precisa de vocação, a doença renal é complexa, os pacientes têm problemas em outros órgãos, e o trabalho médico nas clínicas de diálise está dificultado, com contratações precárias e sem substituição dos médicos”.

Alternativas em risco
O farmacêutico Paulo Mayorga, do Laboratório Farmacêutico do Rio Grande do Sul, Lafergs, disse que três projetos das Parcerias para Desenvolvimento Produtivo (PDP), executados no esforço para nacionalizar tecnologias estratégicas em saúde, estão comprometidos diante da falta de personalidade jurídica do laboratório, que é vinculado à Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde, FEPPS, extinta em 2016 por iniciativa do governo do Estado. Destes projetos, dois estão relacionados com a hemodiálise para o fornecimento de filtro e máquina de hemodiálise, em parceria com empresa de Pelotas. “É tecnologia cara; no Brasil, consumimos mais de R$ 1 bilhão anual com terapia renal substitutiva e um movimento mundial caminha no sentido de reduzir o número de reuso dos filtros, o que vai aumentar a demanda por estes insumos dentro do serviço de saúde”, explicou.

O investimento em Pelotas foi de R$ 30 milhões e ainda não está concluído, informou. Como a tabela do SUS não é reajustada, o Ministério da Saúde quer iniciar o fornecimento dos filtros às clínicas. “O propósito das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo é trazer a centralização de compras estratégicas para o Ministério da Saúde e distribuir para os prestadores de serviço nas diversas áreas”, comentou Mayorga, mas “isto não acontece de uma hora para a outra e não temos clareza quais os centros que serão atendidos. Mas temos que terminar de instalar a fábrica, fazer testes clínicos, garantir a qualidade do produto e depois realizar os contratos de fornecimento com o Ministério”. A previsão de fornecimento é em um ano.

Em março, o Lafergs recebeu aporte de R$ 20 milhões para o programa do complexo industrial da saúde, mas o valor está indisponível diante da indefinição do laboratório, que está migrando para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia, disse ele. Apesar da insegurança, os projetos terão continuidade, assegurou.

Grupo técnico 

Sheila Ferreira, da secretaria de Saúde do Estado, adiantou que grupo técnico está trabalhando na construção de rede de referenciamento, que é quando o paciente tem o diagnóstico de doença renal crônica avançando e precisa da hemodiálise, momento em que é preciso oferecer o centro mais próximo da residência do paciente ou unidades da região. Segundo ela, nos últimos dois anos cinco centros de diálise foram fechados, mas não houve diminuição na produção real dos tratamentos dialíticos. Em Porto Alegre, a fila de espera é de 150 consultas de nefrologia por mês e 155 pacientes aguardando. O Estado recebeu aporte financeiro de R$ 10 milhões, em janeiro. Ela colocou o grupo técnico da secretaria à disposição das entidades médicas, de pacientes e demais interessadas.

Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Nefrologia, a médica Chinthia Vieira – também representando o CREMERS – aliviou a discussão ao revelar que o Brasil, na América Latina, é campeão em ações de prevenção da doença renal. Retornando de recente congresso mundial de nefrologia, no México, constatou que o Brasil realizou 425 atividades de prevenção, quando aquele país registrou apenas 37, ocupando a segunda colocação no ranking latino-americano. “Educação e saúde andam de mãos juntas”, resumiu a especialista, referindo-se à precariedade da vida laboral dos trabalhadores daquela região. “Aqui, a informação é melhor, mas temos que avançar”, salientou. Ela revelou pesquisa que vai apresentar no Congresso Sul-brasileiro, apurando a realidade das unidades de terapia, pacientes, convênios, médicos e estudantes da especialidade.

Das 77 unidades de terapia renal substitutiva em 2016, agora são 65 em atividade. De todas as pesquisadas, 47% responderam o questionário. A insatisfação entre os 300 médicos da área é de 74%, diante da realidade salarial. “Muitos se aposentaram ou trocaram de especialidade”, revelou. O que é alarmante, conforme a pesquisa, é a ausência de médicos residentes em nefrologia. Poucos hospitais universitários têm residência nesta especialidade e 80,6% não dispõem da modalidade. “Os residentes estão sumindo, é um problema mundial”, disse Cinthia, “uma vez que exige vocação, dedicação, tratamento efetivo, afetivo, trabalho de três turnos, muitas dificuldades e baixa remuneração”, destacou.

Ações articuladas 

Nos encaminhamentos, a deputada Liziane Bayer sugeriu contato com o secretário Márcio Biolchi, para tratar da situação do Lafergs, assim como na secretaria estadual de Saúde, para apurar o atraso na distribuição de medicamentos para os doentes renais. Com a secretaria de Saúde de Porto Alegre, tentará averiguar os entraves ao trabalho dos nefrologistas provocados pela legislação diferenciada. Junto ao Ministério da Saúde, buscará avançar as questões federais em sintonia com a Sociedade Brasileira de Nefrologia e a Sociedade Gaúcha de Nefrologia. Ela pretende solicitar audiência com o governador José Ivo Sartori para tratar do tema. A parlamentar é autora da lei estadual que instituiu a Semana Estadual de Prevenção das Doenças Renais e o Dia do Rim, em 12 de março. A deputada destacou a importância de manter a discussão do tema. “Mesmo com dificuldade e dor, as pessoas se mobilizam por todos os que enfrentam este tratamento”, observando que a doença avança em outras especialidades, como a saúde bucal, “fundamental aos que esperam o transplante”.

Pelos pacientes, doutor Renato Padilha, que preside a Federação Nacional das Associações de Pacientes Renais e Transplantados do Brasil, FENAPAR, resumiu as atividades da entidade, fundada há quatro anos e com forte atuação nos Estados e nas esferas do poder federal. “Nossa participação é no sentido de criar políticas públicas adequadas”, referindo-se ao projeto de Lei (PL) 1178/2011 que tramita na Câmara Federal e dá ao paciente renal crônico os mesmos direitos garantidos às pessoas com deficiência. Referiu outras ações, como as 25 mil assinaturas entregues na presidência da República para registrar o Dia Mundial do Rim, comemorado em 9 de março, e as campanhas de prevenção. No site da entidade, www.fenapar.com.br é possível acompanhar as iniciativas, como o lançamento do livro de receitas para pacientes renais e cartilha que informa sobre direitos dos pacientes.

Marcia Vieira, diretora adjunta do Centro Estadual de Vigilância em Saúde, explicou os procedimentos determinados pela Anvisa para o setor. E Alcides Pozzobom, da Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Saúde, FEHOSUL, alertou para a gravidade do quadro falimentar dos estabelecimentos de saúde, em sua maioria com orçamentos deficientes. Rim Viver, de Caxias do Sul, participou da audiência, que também reuniu grupo de enfermeiras do Hospital de Clínicas, representantes do Conselho Regional de Odontologia e da 18ª Coordenadoria de Saúde de Osório, e a Nefroclim, de Montenegro.

Uso de medicamentos
Para registrar a Semana do Uso Racional de Medicamentos, atividade em conjunto com o Conselho Regional de Farmácia a Comissão de Saúde e Meio Ambiente realiza dia 10, no Hall de entrada da Assembleia, com prestação de serviços farmacêuticos. Haverá esclarecimentos sobre os riscos da automedicação, os efeitos da interação medicamentosa e cuidados gerais que devem ser observados durante o processo de uso de medicamentos. Também verificação de pressão arterial e teste de glicemia capilar.

Durante o mês de maio, a agenda de audiências públicas da Comissão de Saúde e Meio Ambiente prevê dois encontros dos parlamentares para discutir o uso e tombamento do Condomínio Cênico do Hospital Psiquiátrico São Pedro, solicitação da deputada Manuela d Ávila (PCdoB), no dia 10, às 10h, na Sala Adão Preto; e debate sobre a Política Nacional dos Resíduos Sólidos, proposição do deputado João Reinelli (PV), dia 31, às 10h, na Sala João Neves da Fontoura, Plenarinho. Hoje, além da audiência pública que debateu os entraves no tratamento de pacientes renais, iniciativa da deputada Liziane Bayer (PSB), também esteve em discussão a obesidade na infância e adolescência, sugestão de Manuela d Ávila (PCdoB) e em conjunto com a Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia.

Texto: Francis Maia / Foto: Elaine Martins