Liziane promove debate sobre saúde bucal para pacientes com necessidades especiais


Uma das prioridades dos poucos dentistas que atendem pacientes com necessidades especiais (PNE) no Estado é aumentar o número desses profissionais no mercado. No país, são apenas 615 especialistas, sendo que dos 24 em atuação no Rio Grande do Sul, 16 atendem em Porto Alegre, conforme o Conselho Regional de Odontologia. O assunto foi debatido nesta quarta-feira (22), em audiência pública na Assembleia Legislativa, presidida pela deputada Liziane Bayer (PSB).
Conforme a deputada, o objetivo é melhorar o acesso das pessoas portadoras de necessidades especiais aos serviços de odontologia na rede pública de saúde e qualificar mais especialistas nesta área. “Precisamos trabalhar para que seja inserida a especialização no curso de odontologia com ênfase no atendimento à pacientes com necessidades especiais e aplicar novas políticas públicas com relação à saúde bucal". 



Deliberações 

Da discussão desta manhã resultou um documento, elaborado pela deputada Liziane, apoiando projeto de lei de sua autoria que trata da instituição no Estado da Política Estadual de Saúde Bucal da Pessoa com Necessidades Especiais; alerta à secretaria da Saúde sobre as deficiências atuais; exigir dos órgãos governamentais recursos financeiros e humanos; apoio ao Conselho Regional de Odontologia para suprir as deficiências; exigir do MEC a regulamentação do ensino técnico nos cursos de graduação das faculdades de odontologia do país, da disciplina específica que atenda esses pacientes; reorganizar a atenção básica de saúde bucal para acolher o PNE; elaboração de cadastro discriminado dos pacientes odontológicos com necessidades especiais.
Também participaram da audiência membros do Ministério da Saúde, Secretária Estadual da Saúde, Conselho Regional de Odontologia do Rio Grande do Sul – CRO/RS, Coordenadores dos cursos de Odontologia das Universidades UFRGS, PUC, ULBRA, UFPEL, UFSM e Associações e Sindicatos da área de odontologia, Dra. Débora Scariotis - representante da Comissão de Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais (PNE), assim como entidades e demais interessados.

 Disciplina existe em apenas 10% das universidades

No Estado, informa o cirurgião-dentista Márcio André Redmann, do Conselho Regional de Odontologia, são apenas 24 especialistas em saúde bucal de pessoas com necessidades especiais. No país, 615 profissionais atendem essa especialidade. A professora Márcia luta, a cada semestre, para que aumente o interesse dos universitários na disciplina eletiva para o atendimento de pacientes especiais. Apenas 10% das universidades têm disciplinas voltadas para o atendimento de pessoas especiais. Estudo do CRO/RS mostra que de oito profissionais, apenas um teve experiência com esses pacientes. “Isso demonstra problemas que temos na formação do cirurgião-dentista para o atendimento ao paciente com necessidades especiais”, reivindicação que ela resume como fundamental para aumentar a disponibilidade de atendimento a essa população praticamente excluída das cadeiras odontológicas.

O apelo tem o apoio do CRO uma vez que, conforme antecipou Redmann, apenas 0,3% de especialistas estão sendo formados pelas universidades. Ele revelou que alguns municípios gaúchos apresentam índice de 40% de PNE, “em média 20% das cidades têm população com necessidades especiais, em torno de dois milhões de pessoas”. Os atendimentos são feitos nos 32 Centros de Especialidade Odontológicos, os CEOs, “mas nem todos atendem esses pacientes”, disse ele, e nos projetos das universidades. Nem todos os CEOs possuem cadeiras odontológicas adequadas para essa clientela. Na grade curricular obrigatória, apenas a Universidade de Passo Fundo dispõe da especialidade. Além do dentista, é preciso a formação de equipe capacitada para esse atendimento.
A odontopediatra Débora Scariot atua na Comissão de Odontologia para Pacientes Especiais do CRO desde 2015 e relatou as dificuldades dessa área, uma vez que na rede básica de saúde os postos não têm esse especialista. Da atuação nos últimos dois anos, Scariot acompanha o trabalho de dentistas especializados em diversos distúrbios e antecipa a preocupação em sensibilizar os gestores públicos sobre a demanda e também a inclusão da disciplina de necessidades especiais nas faculdades. Disse que está em elaboração um projeto de lei com esse propósito.

Desconstruindo mitos 

Sandra Delgado Pagnocelli, da disciplina de estágio em Clínica Infantil da PUC e autora do livro Fundamentos Interdisciplinares do Atendimento de Pacientes com Necessidades Especiais em Odontologia, abordou as dificuldades da família em conviver com a situação e o entorno de diversos profissionais de saúde, menos o cirurgião-dentista.
Esse acompanhamento, afirmou, impediria o surgimento de outras doenças no paciente especial, “como focos infecciosos de boca, dores provocadas por um dente-de-leite querendo cair, pedaço de carne que irrita entre um dente e outro, desconfortos que a pessoa com necessidade especial não consegue expressar”.
Contou o investimento da Uniodonto em projeto na Casa do Excepcional Santa Rita de Cássia, onde ela prestou atendimento odontológico durante oito anos para 42 pessoas. A iniciativa resultou em premiação nacional. Pagnocelli disse que não é preciso ser especialista para atender Pessoas com Necessidades Especiais, relatando sua experiência profissional e detalhes do livro com fundamentos que explicam o diferencial do atendimento nas diversas especialidades e os cuidados com esses pacientes.

Reconheceu que muitos profissionais recusam esse tipo de atendimento, razão pela qual incluiu no livro depoimento de mães “mostrando aos colegas o que elas passam para conseguir fazer uma raspagem que qualquer aluno de faculdade pode fazer”. Na PUC, os alunos do 5º ano do curso de Odontologia tem atendimento liberado para qualquer paciente de necessidade especial, em nível ambulatorial, sem vagas reservadas, avisou. “Como regente dessa disciplina, devo retirar o mito para uma geração que tenho a responsabilidade de formar”, salientou Sandra, que observa a alegria dos estudantes que experimentam a disciplina.
Com 26 anos de atendimento de pacientes especiais na rede pública de saúde, Fernanda Franco, do Hospital Psiquiátrico São Pedro, agora atuando na atenção terciária da equipe de odontologia, regulamentada há 16 anos, recapitulou procedimentos antigos que eliminavam a dentição das pessoas deficientes. Agora, através do manejo, o dentista consegue assegurar a saúde bucal desses pacientes. Disse que a odontologia para pacientes com necessidades especiais inclui também cardiopata, hipertensos, e diabéticos; transplantados, HIV, diabéticos não controlados; pacientes em tratamento de radioterapia de cabeça e pescoço; esquizofrênicos, e dependentes químicos em desintoxicação. São mais de 200 profissionais capacitados, alguns em municípios do interior fazendo atendimento. Karen Loureiro, especialista em Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais, explicou procedimentos avançados nos ambientais hospitalares, como nos blocos cirúrgicos.

Capacitação disponível 

Maria Rita de Lemos e Cristiane Schuller, da Secretaria Estadual de Saúde, explicaram os procedimentos do Setor de Saúde Bucal na organização da rede de atendimento desde 2009 para Pessoas com Necessidades Especiais, o atendimentos através dos CEOs, a legislação que orienta os procedimentos e os recursos destinados ao programa. Disse que em 2011 foi criado o Viver Sem Limites, marco de atendimento do Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que prevê a qualificação da atenção odontológica. No Rio Grande do Sul, desde 2000 foram 13 edições de ação pioneira que capacitou 294 profissionais. Entre 2014 e 2015, foram 99 profissionais capacitados em 15 municípios, mas reconheceu a falta de cirurgião-dentista. Pediu a cedência de um profissional para a Fadergs, onde cinco gabinetes estão disponíveis para os cursos de capacitação, falta apenas um termo de cooperação técnica entre a secretaria e a fundação.

Pela FADERGS, Eva Loreni destacou o trabalho da Fundação na articulação de políticas públicas e reforçou a reivindicação de um cirurgião-dentista para trabalhar no espaço disponível com cinco gabinetes, sem atendimento desde 2015. Na época, no período de três meses foram realizados 300 atendimentos. A entidade atua em parceria com a Escola de Saúde Pública e através da Famurs já atendeu 88 municípios.

Pelo Núcleo de Direito à Saúde da Defensoria Púbica, Enir Madruga de Avila disse que são poucas as demandas nessa área e atribuiu à desinformação dessa parcela da população a seus direitos. O ex-secretário de Saúde de Porto Alegre, Fernando Ritter, atual presidente da Fundação Municipal de Saúde de Canoas (FMSC), disse que a Capital definiu em 2016 a sua política municipal para Pessoas com Necessidades Especiais, defendeu a qualificação da rede de atenção básica e do SUS para dar continuidade à qualificação dos profissionais de saúde. Rudica Von Millen, com uma filha com necessidades especiais, relatou suas dificuldades e reforçou o apelo para o aumento de profissionais especializados no atendimento de saúde bucal.

Texto: Priscila Valério com Agência de Notícias da ALRS / Foto: Priscila Valério